segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ψ A Difícil Realidade da Criança Autista


*Define-se o autismo como uma síndrome (sinais e sintomas), provenientes de diversas causas, caracterizado principalmente pelo isolamento social, rituais e movimentos estereotipados, bem como dificuldades na linguagem e comunicação, acomete mais os meninos.
*A criança vive num universo próprio, manipula os objetos sem nenhuma intenção construtiva real e nem tem valor social significativo para ela.

*Nos relacionamentos pessoais não estabelece uma comunicação de interesse, evitando o contato visual. São relações fragmentárias, ela até escolhe um companheiro, mas não espera dele nem participação e nem trocas.

*Possuem aptidões em  certos campos, facilidade em testes de acoplamento, ordenação de objetos ou de  formas em grandeza decrescente. Possuem uma certa percepção acurada, ainda que, algumas vezes demasiado focalizada. Uma certa planificação num campo restrito, que perturba o todo, por conta da sua necessidade constante de imitar e reproduzir gestos repetitivos.

*O autismo é uma síndrome bem difícil de ser diagnosticada por ter variações, níveis, gravidade e manifestações diferenciadas, possível   de  ser   confundida   com   outras   psicoses.

*É um   transtorno  que   expõe   uma   fragilidade psíquica e orgânica capaz de confundir  o olhar clínico mais experiente. Os sintomas autísticos se confundem e se misturam com distúrbios neurológicos, sensoriais e deficiências intelectuais, sendo alguns de origem genética.

*Os esquizofrênicos mais gravemente atingidos, os que não têm mais contato com o mundo externo, vivem num mundo que lhes é próprio. Qualquer mudança é uma ameaça.


*Fecham-se com seus desejos e aspirações, ou se preocupam apenas com os avatares e suas ideias de perseguição; afastam-se o mais possível de todo contato com o mundo externo. Preferem lidar com objetos e evitam contato com pessoas.

*A essa evasão da realidade, acompanhada ao mesmo tempo pela predominância absoluta ou relativa da vida interior, chamamos de autismo. (Bleuler e Kaufmann, 1966).
 


*Bleuler (1911), introduziu o termo “autismo”, na tentativa de abarcar a perda de contato com a realidade juntamente com a permanência em um modo de viver voltado para si mesmo, que neles identificava.

*Freud (1923), referia autoerotismo como uma perturbação na vida erótica destes pacientes.


 *Kanner (1943), já utiliza um quadro específico de adoecimento infantil, e não mais do sintoma de esquizofrenia adulta.

*Ajuriaguerra (1991), refere que essa  descrição do autismo por Kanner marcou o início da história atual das psicoses infantis, já que as primeiras tentativas de diagnosticá-las apenas faziam o translado do quadro semiológico do adulto.

 
*Os esquizofrênicos mais gravemente atingidos, os que não têm mais contato com o mundo externo, vivem num mundo que lhes é próprio.
A essa evasão da realidade, acompanhada ao mesmo tempo pela predominância absoluta ou relativa da vida interior, chamamos de autismo. (Bleuler apud Kaufmann, 1966).

 
*Segundo José Raimundo Facion (2007) o autismo é  um  subtipo  dos  Transtornos Invasivos  do  Desenvolvimento (TID),  “que  apresentam  em  comum  prejuízo  severos   e  invasivos   nas    diversas   áreas   do  desenvolvimento (dificuldades relativas    ás  habilidades    de   interação    social  recíproca    e  de   comunicação ou  presença  de comportamentos estereotipados e movimentos repetitivos)”. 


*O autismo sofreu várias modificações em sua definição, nas classificações de doenças mentais seguindo critérios das DSMs (classificações das doenças mentais da Associação Psiquiátrica Americana)  e as CIDs (Código Internacional de Doenças, OMS).

*Em 1968, a DSM II incluía o autismo no termo “esquizofrenia de início na infância”; e na década de 1970, passou a avaliá-lo como deficiência cognitiva (Cavalcanti e Rocha, 2001).


*Em 1980, a DSM III mudou mais uma vez; distinguiu-o da esquizofrenia infantil.

*Em 1995, a DSM IV passou a descrevê-lo como uma síndrome comportamental com várias etiologias.
*CID 10 (1993), já não julgava que o autismo fosse uma psicose, identificando-o como um “distúrbio global do desenvolvimento”.

 
*Constata-se que além do fato de haver várias abordagens dentro de um mesmo saber, existem quadros muito variados, com múltiplos fatores convergindo para a determinação de cada um deles, como indica a própria característica sindrômica. 

 
*Assim, um único ponto de vista não consegue abarcar o tema, e tomar em consideração um lado da questão não elimina os outros.  Considerar, por exemplo, fatores relativos à interação humana não exclui uma falha na condição física.


*Em 1997, devido à impossibilidade consensual, o National Center for Clinical Infant Program (NCCIP) propôs novas categorias.
Essa categorização destaca transtornos que apresentam as mesmas dificuldades descritas nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, manifestos em bebês e crianças pequenas, mas que evidenciam uma certa capacidade de manter relações afetuosas e interativas com seus cuidadores, lado a lado com um progresso razoável em seu desenvolvimento cognitivo. São então denominados “Transtornos Multissistêmicos do Desenvolvimento”.

*O NCCIP alerta que “quando identificadas e tratadas apropriadamente, muitas crianças com ‘aspectos autísticos’ desenvolvem relacionamentos de afeto e intimidade” (1997).


*Winnicott refere o autismo  como uma questão de imaturidade emocional, que pode acontecer quando o amadurecimento da criança é interrompido  pela inadequação ou insuficiência do ambiente perante suas necessidades.

*Essa compreensão pode evitar que o autismo seja tomado como uma doença (nos termos da psiquiatria), uma entidade nosológica, que muitas vezes reduz a importância da relação ambiente indivíduo.

 
* Segundo Winnicott,
“Qualquer um dos muitos elementos descritivos pode ser examinado separadamente e pode ser encontrado em crianças que não são autistas, e mesmo em crianças que são chamadas de normais e sadias”.
* E ainda, “para cada caso de autismo que encontrei na minha prática, encontrei centenas de casos em que havia uma tendência que foi compensada, mas que poderia ter produzido o quadro autista” (1966).

 *Referia Winnicott (1950),  que não se pode deixar de reconhecer o “acaso”, dentre outros fatores, “há as crianças cujos pais não foram bem sucedidos e precisamos lembrar que o fracasso pode não ser absolutamente por falha deles". Pode ser por um erro médico, ou por uma fatalidade (...) e os pais podem carecer de recursos para lidar com o imprevisto, e o suporte do ambiente próximo será fundamental.

*Segundo Winnicott, no autismo a criança produziria uma organização defensiva, no sentido de adquirir uma invulnerabilidade diante da ameaça de voltar a ser tomada por uma agonia anteriormente sentida, devido a uma “invasão” ou falha do ambiente para com ela, na fase de extrema dependência do início de sua vida.



*Sem a defesa, a criança ver-se-ia diante “de uma quebra da organização mental da ordem da desintegração, despersonalização, desorientação, queda para sempre e perda do sentido do real e da capacidade de se relacionar com os objetos”, que para Winnicott caracterizavam as agonias impensáveis (...)  a criança terá somente seu recurso mais primitivo para alcançar a invulnerabilidade: o isolamento. 
 
*As atividades da criança autista têm uma especialização monótona, sem a presença de fantasias.


*O apego a certos objetos, a fixação, o balanceio, os comportamentos repetitivos, a evitação de qualquer contato, podem ser utilizados pela criança muito precocemente para defender-se da agonia engendrada pela falha na relação primitiva de identificação primária.

*Uma agonia que acontece não propriamente por uma questão de intensidade da falha, mas pelo momento de seu acontecimento. 

 
*Para Winnicott, (1962) “quaisquer que sejam os fatores externos, é a visão que o indivíduo tem do fator externo o que conta”.


*É importante salientar que em uma fase bem precoce, o que se chama de “visão” de um “fator externo”, é na realidade do bebê um sentimento subjetivo de estranheza, de algo que não deveria estar acontecendo, visto que o bebê ainda não compreende razões e tampouco percebe objetivamente o que é interno e externo.

 
*Com esse modo de pensar o autismo, Winnicott acreditava que não se poderia avançar muito na compreensão de sua etiologia, e consequentemente na prevenção, se não houvesse coragem de tocar em questões extremamente difíceis e delicadas.


*Uma dessas questões refere-se ao ódio inconsciente da mãe em relação à criança, oculto por formações reativas tornando-se, mais difícil de ser enfrentado pela criança.
(Mecanismo de Defesa descrito por Freud, através da Formação Reativa, alguns pais são incapazes de admitir um certo ressentimento em relação aos filhos, acabam interferindo exageradamente em suas vidas, sob o pretexto de estarem preocupados com seu bem-estar e segurança).

* Winnicott (1967), em seu texto A etiologia da esquizofrenia da criança em termos do fracasso adaptativo, aponta o fator do ódio inconsciente materno, essenciais para o estudo do autismo. 


*O autor fala ainda da organização de defesa sofisticadíssima do autismo, promovendo a invulnerabilidade da criança, que deixa de sofrer, ficando o sofrimento com os pais;

*A ênfase no afeto inconsciente materno como fator etiológico já era citada por Winnicott no texto The only child (1928), ele dizia: “a influência mais importante sobre a vida de uma criança é a soma das ações e reações impensadas da mãe, e de outras relações e amigos; não são as ações refletidas que têm os principais efeitos”.


*A mãe que odeia e ao mesmo tempo demonstra uma ternura especial: "O desejo de morte reprimido em relação ao bebê”, ódio inconsciente, oculto por formações reativas, que fica “além da capacidade de manejo do bebê”.

*Ou seja, as crianças parecem ser capazes de lidar com o fato de serem odiadas e isto é simplesmente uma maneira de dizer que podem enfrentar e fazer uso da ambivalência que a mãe sente e demonstra. 


*O que elas não podem jamais usar satisfatoriamente em seu desenvolvimento emocional é o ódio reprimido e inconsciente da mãe, que apenas encontram em suas experiências de vida, sob a forma reativa. 

*Winnicott confessa que gostaria muito de dizer a todo mundo que a atitude dos pais não tem qualquer influência no surgimento do autismo, ou da delinquência, ou de outros distúrbios do desenvolvimento.



*Mas ele dizia que não podia, e se pudesse, seria o mesmo que dizer “que os pais não desempenham nenhum papel quando as coisas vão bem”. 

*Segundo ele, “temos de procurar todas as causas de qualquer transtorno, e também da saúde, e não podemos esconder coisas por medo de magoar alguém. Entretanto, “ isso é muito diferente de dizer para uma mãe ou um pai: ‘Isso é culpa sua’. 

*Uma coisa é culpa e outra é responsabilidade. É preciso analisar a etiologia, pois muitas vezes, “o dano foi feito sem querer e sem maldade. Simplesmente aconteceu”. 

*Por reconhecer a importância da adequação do ambiente para que o amadurecimento da criança se dê de forma satisfatória, Winnicott apontava os cuidados que o próprio ambiente, em particular a mãe, demandam. 

*Para ele, mãe e bebê inicialmente precisam que seu ambiente próximo promova recursos que levem a mãe a desenvolver confiança em si própria.

*Concordo particularmente com as abordagens psicodinâmicas que enfatizam aspectos qualitativos do desenvolvimento humano, respeitando as diferenças, a capacidade e o ritmo de cada criança. 

*(Dedico esta postagem a minha paciente K.B.P, 'Síndrome de Asperger', que foi avaliada na Perícia Médica em 2013, Exame Pré Admissional, passou em dois concursos públicos mas não foi considerada apta, tenha minha admiração e carinho).

Bibliografia: Psychê - Ano VIII - nº 13 - São Paulo -  jan - jun/2004 - p. 43-60:  Conceição A. Serralha de Araújo.
AJURIAGUERRA, J.; MARCELLI, D. Manual de psicopatologia infantil . Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
WINNICOTT, C.; SHEPHERD, R.; DAVIS, M. Explorações psicanalíticas : D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes  Médicas, 1994.
WINNICOTT, D.W. (1945). Desenvolvimento emocional primitivo. In: ___.Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.  ________. (1950). Crescimento e desenvolvimento na fase imatura. In: ___. A família e o desenvolvimento do indivíduo. Belo Horizonte: Interlivros, 1980.

 ________. (1952). Psicose e cuidados maternos. In: ___ .A família e o desenvolvimento do indivíduo . Belo Horizonte: Interlivros, 1980. ________. (1962). A integração do ego no desenvolvimento da criança. In: ___. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
 ________. (1966). Autismo. In: SHEPHERD, Ray; JOHNS, Jennifer e ROBINSON, Helen T. 
D. W. Winnicott : pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
Ψ Fatima Vieira - Psicóloga Clínica

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