domingo, 30 de junho de 2013

Ψ Outros Fragmentos...

*Ela diz ser um corpo e um silêncio vivendo no mundo, sem muita esperança. Assim: quieta, serena, exata na sua solidão...

*Um ser à flor da pele em busca de ternura na intempérie. Quanto ao carinho: diz sentir-se emocionada quando recebe e que tem sido tão pouco... Dizem que é por não dar que não se tem, mas esse é um daqueles gestos espontâneos, presente inusitado, como uma brisa suave, um perfume de flor, um abraço aconchegante, um aperto sincero de mão... amor não se mendiga! 
  
 *Aos ruídos cada vez mais intensos ela oferece seu silêncio!
 Não é qualquer som que lhe agrada, gosta do som limpo, Chopin, Bach...  é música que se renova quanto mais repetida. Dos piores sons destaca quem fala gritando e risos desproporcionais.

(...) E se com a evolução o ser humano perdesse sua capacidade de se comunicar com a fala. Os bichos tem tantos recursos... A linguagem falada seria usada só para momentos especiais, seria então um instrumento sofisticado, usado somente em rituais. O dia a dia fluiria sem palavras, onde todo mundo saberia o que fazer e ia lá e fazia sem muita conversa. 

*Quando eu era estagiária de Psicologia, uma mãe trouxe a filha para eu dar um jeito porque de uma hora para outra a menina parou de falar... então eu lhe disse: se você parar de falar a Lelê vai falar... (Não é assim que se trata com tagarelas, hoje eu teria sido mais sutil, mas não sei se daria o resultado esperado, a menina falou). 

*Vez ou outra uma sensação sutil e desconfortável se apodera dela, como se não fosse dar tempo. E aflita ela se pegunta: Tempo de quê? Fazer o quê?

*Talvez viajar pelo mundo, experimentar outros sabores e fragrâncias, outros desejos... Ela sabe que a busca mais delicada é desvendar seu mundo interior, seus fantasmas e medos. Pois dentro dela um anjo prisioneiro precisa ser libertado.

(…) ela diz que com o tempo perdeu o jeito de falar. Começa assim: a voz sai hesitante, levemente rouca; o sorriso enigmático, pela metade, admira a flor em silêncio, vai à feira, escolhe a fruta ... e, já não cumprimenta ninguém; entra e sai pela garagem, cuida do lixo, recicla e faz a sua parte, assiste ao jornal  indignada, se entedia com a novela e fica no computador até cansar, se alimenta toma banho e dorme e acorda e trabalha de novo e não cumprimenta ninguém...

 (…) E o que o que mais a impressiona é o esforço desmedido das pessoas para serem gentis e felizes o tempo todo! 

(…) não é que não se deva ser feliz e gentil, bondoso e altruísta, mas quando passa a ser obrigação fica caricaturado, o sorriso plastificado, a condescendência com os mais fracos, a hipocrisia instituída. E aquele que já não é tão gentil, que a vida já fez seu estrago e bem feito, ainda é julgado e condenado por não ser bonzinho... ele só está sendo autêntico, não compactua com gentileza massificada.

*Ultimamente ela está mais compulsiva, lê e escreve além da conta e nada a detém!

*Não é que ela não tenha lá seus desejos, pequenos desejos, sem muita esperança, viver por aí sem vestígios, mantendo-se com certa lucidez já é por demais cansativo.

*O pouco que lhe é exigido, já é demais; é preciso escolher as palavras para não machucar ninguém, quem estaria disposto a ouvir o pouco que ela tem a dizer?

*Por outro lado, ela diz já ter ouvido muito e até o que não merecia e por vezes, já foi deixada falando sozinha.

*Raramente encontrou nesta cansativa existência um ouvido atento, diz que já não sabe mais falar de si e sua fala se resume em poucos sons. E diz que para sua sorte as pessoas gostam de falar de si, de suas vaidades e assim lhe poupam. 

*Não é raro ela estar compenetrada analisando o que se passa com uma planta desde a semente até rasgar-se toda explodindo no broto e na flor, no fruto, enfim, e a memória genética da semente, que inicia o novo ciclo... 

*Ou encantada com o inseto que em vinte e quatro horas precisa dar conta de sua existência, passando seu código genético ...  e ela se espanta quando o ser humano reclama da brevidade de sua vida, e tem cem anos para cometer tantas tolices. 

*Quanto à si diz que sabe até perdoar com certa facilidade; na mesma proporção do seu desprezo por tudo que é humanamente mesquinho.

*Ela reflete: quando a dor é em demasia a vida precisa ser enfrentada como um touro enlouquecido, é preciso então pegá-lo pelos chifres e mostrar quem manda.  

*Depois é só seguir serenamente, impassível diante do dragão, pois a vida se apresenta assim assustadora somente uma vez é só teste, se baixarmos a cabeça da primeira vez, tudo estará irremediavelmente perdido.

 *Nada mais lhe assusta, antes temia o vento forte, o relâmpago, o frio, a chuva, mas a vida lhe mostrou outras situações difíceis tudo a um só tempo, fatos que iam acontecendo de forma inacreditável e violenta, diz que aprendeu a blindar-se feito casco de tartaruga... mas por dentro continua macia.

 *Coração de pedra macio, olhos secretos e serenos. Ela diz que a dor é singular, de foro íntimo. E aconselha a não revelar dor à revelia, pois isso poderia deixar vulnerável para sempre. 

*Sorriso torto, injustiças, gestos forçados, tudo que não é autêntico lhe agride! 

*Um dia após o outro sem tropeço, psicologicamente a vida se organiza como se houvesse continuidade, a vida sem fim...

 “Olhai os lírios do campo”, às flores bastam as fragrâncias, quanto à mim vida em movimento, o que preciso fazer o que tem que ser feito. Ser gente não é fácil.

*Outro dia invejou a brisa, sentiu-se leve, etérea, docemente estranha. (…) Tem a sensação que já não se adapta em lugar nenhum, a porta da felicidade parece estar aberta pro mundo menos pra ela, criou seu espaço sagrado... sutilmente evapora, quer ser brisa!

*Se é esse o mundo que dizem real, é nele que deve construir a sua história, por vezes fica difícil encenar a festa de confraternização, a reunião social... aceita um biscoitinho? (de recheio duvidoso), digo, faço dieta... e aquela festa? Hoje não dá, escapei de mais uma!

*Diz sentir atração pelas longas noites, sente-se em casa...  é então que flerta com a morte. Morte lembra a cor negra, silêncio, morrer não dói. 

… esperar a morte debaixo da chuva, numa tempestade também lhe fascina. Abismo é uma onda com o barco virado, pra não ter a chance de escapar. Abismo é uma onda de aniquilamento que não dá chance de sair ileso. Ela diz que hoje sente-se assim, apática, derretida, sem vontade nenhuma de continuar... 

*Sobre o Perdão: É o mal tão bem feito que a única reparação possível é
 a Indiferença, o silêncio: pode ser o melhor caminho quando não se consegue digerir uma maldade. 

*Ela afirma que são os pequenos deslizes feitos sistematicamente os que mais lhe deixam em alerta... pois errar vez ou outra é até humano, mas pequenos gestos irresponsáveis e repetidos causam uma verdadeira calamidade na intimidade.

*Ela diz que não consegue se acostumar com pessoas que o tempo todo deixam claro o quanto tem um belo umbigo; é verdade que ele está bem no centro, mas é ele que divide a metade superior da inferior... deveria ser cuidadoso para que as duas metades tenham a justa medida, (então, o umbigo seria um bom juiz se não fosse vaidoso, afinal é só um umbigo).

*Morte tu que és tão forte, que mata o rato, a árvore e o homem... já não mais aflige, posto que tudo não passa de uma realidade paralela, "é tudo a mesma coisa.”  Nenhum ato é tão singular que não possa ser repetido inúmeras vezes até ter suas partículas saboreadas em toda sua essência.

*Numa perspectiva hinduísta, quando a vida acaba, a soma das más e boas ações são apuradas, e a alma toma um caminho mum pouquinho diferente, caindo ou subindo ela retorna outras vezes para novas lições de vida.

*Lá no fundo nossa alma conhece toda a verdade... Na dança da vida ninguém é estranho de ninguém. A dança é eterna e nossa única opção seria aproveitar o tempo que passamos com os diversos parceiros que nos fascinam, e o desprendimento quando eles ou nós precisamos partir...

 (...) Entendo de formigas, eram elas minhas companheiras de agonia na infância, conheço alguns dos seus segredos.... Foram as formigas que deram a exata dimensão da minha dor, um dia observando-as eu disse: Estou sofrendo, a dor tomou consciência da dor. Desejei ser uma delas para sentir que pertencia.

*Sabe por que as formigas carregam as companheiras mortas?

 *Há que se ter humildade até para ser simples! Quem disse que é fácil ser simples? Onde a arrogância predomina, morre tudo que é genuíno, se instala a mediocridade e cessa a aprendizagem. 

(...) e o desejo de aprender tem que ser constante. Reconhecer quem sabe mais é fundamental... eu já vi pérolas preciosas caladas e tolos sendo aplaudidos!

*Silenciosa, tímida e por vezes reclusa, não se dá a conhecer facilmente,
como certas flores do deserto... é que ela tem lá suas manias, doces manias. Seu jogo preferido é a perfeição, não por vaidade, diz que quer transcender, vá entender certas flores! 

(...)  Ela não se adapta mais às convenções sociais. Pensa que os shoppings, são como grandes floriculturas com flores variadas, bem arrumadas e catalogadas, um habitat controlado, tudo plastificado. Se ela for domesticada diz que será uma flor morta. 

*TODA ARTE É UMA CONFISSÃO, diga-me qual o seu poema preferido e te direi quem és! Se nenhuma manifestação artística te fizer pulsar, então não há nada a fazer... 

Ou seja, se nenhuma música te tocar, nenhuma obra de arte te sensibilizar, os deuses não saberão o que fazer contigo! Poesia é a linguagem do amor.

(…) os meios de comunicação (mídia perversa), tentam convencer que a vida que rola no carinho do lar, no campo, na fábrica, nos escritórios tem menos glamour do que as cenas absurdas de poder e de comportamentos doentios exibidos por personagens caricatos nas novelas, filmes e tapete vermelhos.
*Estranho é como o ser humano se deixa moldar por ideologias inconsistentes como se fossem verdades absolutas.
*E pessoas razoavelmente esclarecidas trocam seus objetos, seus afetos obedecendo as provocações da mídia.
E congestionam seus lares e o meio ambiente com poluidores desnecessários e não se reciclam... entupidos com tantos enlatados obstruem a sua livre movimentação pela vida.
*Não posso viajar porque tenho que... tenho que... são carnês, impostos, movimentações financeiras, tudo para satisfazerem os desejos de consumo impostos por grandes instituições financeiras, legitimado pela mídia... Este ser envelhece... não conheceu outros mundos.
*Agora precisa resolver a herança, a confusão está só começando (muitas vezes um infarto fulminante resolve à revelia).
*E a mídia que ele cultuou sequer dá conta de sua dor, de sua solidão, ele não passa de mais um lucro na multidão.

 (Ψ  Fátima Vieira- in: 'outros fragmentos dos cinquenta minutos que valeram à pena')

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