sábado, 22 de setembro de 2012

Ψ " Se você encontrar alguém disposto a caminhar na chuva do seu lado, não fuja, molhe-se." Calligaris



 
Ψ “Na minha literatura, como na minha vida, amar é, sobretudo, um ato de coragem que só é possível para quem viaja de mala de mão.”

A afirmação é do Psicanalista *Contardo Calligaris que numa entrevista  fala sobre amor, Psicanálise, Brasil e dá alguns conselhos a novos terapeutas.

- Que buscas, desejos, dificuldades mais se repetem naqueles que procuram um psicanalista?
- Calligaris: 1) amor e desejo; 2) sensação de não conseguir realizar as coisas das quais a gente se sente capaz ou às quais se sente destinado, realizações que são um pouco mais do que a dita “realização profissional."
 Agora, essa é uma distinção temática. No fundo, do ponto de vista da dinâmica interna, o que mais aparece é a dificuldade em desejar e em agir à altura do desejo da gente.

- Quais as principais questões que lhe desafiam nas pessoas que chegam ao seu consultório?
- Calligaris: Sem dúvida, quando ela ocorre, a pane do desejo, um “não querer nada” e “não gostar de nada”, que pode ser menos espetacular que uma depressão, mas é, a meu ver, mais grave.

- De que maneira as características culturais desse tempo modificaram a psicanálise? Que fenômenos emergentes nessa área poderia destacar?
- Calligaris: Fora os detalhes práticos (pouco relevantes), um fenômeno, sim: a extrema e progressiva sanitização do sexo.

- De que maneira a violência social no Brasil interpela a psicanálise, ela teria algo a dizer?
- Calligaris: Sim, sem dúvida. Citar o quê? Violência e Psicanálise, de Jurandir Freire Costa, ou o meu Hello, Brasil!, visto que seremos os palestrantes deste encontro. Pessoalmente, devo ter participado de cinco ou seis seminários “decisivos” sobre o tema, nos quais, claro, não se decidiu nada…

- Quais os três conselhos que você daria a um (a) novo (a) terapeuta?

- Calligaris: 1) se preocupar sempre mais com seus pacientes do que com seus colegas; 2) se preocupar sempre mais com seus pacientes do que com a doutrina de sua disciplina; 3) voltar a se analisar periodicamente;
 por três razões: para se lembrar que ele pode pouco (e conviver melhor com essa frustrante constatação), para não confundir seu sintoma e sua neurose com a regra e para descobrir e inventar coisas novas sobre ele mesmo.

- Você tem uma voz ativa (oral e escrita) sobre a vida do país. Comente duas razões de esperança do Brasil atual e as duas principais preocupações que lhe afetam na atualidade do paÍs.
- Calligaris: Para alguém que chegou ao Brasil pela primeira vez em 1985, como é meu caso, o país mudou muito. E mudou para melhor, decididamente. Duas razões de celebrar: diminuição da diferença econômica e a sensação, nas trocas cotidianas, de uma maior inclusão social (o outro se tornou mais gente, por miserável que seja). Agora, toda mudança é aos trancos e barrancos - isso é a regra. 

- Preocupações? Nenhuma, fora a lista que qualquer torcida nacional poderia enumerar. Ou melhor, uma: que (durante um bom tempo) a encenação ostentatória da justiça substitua seu exercício efetivo.

- Que características tem o amor na sua literatura?

- Calligaris: Na minha literatura, como na minha vida, amar é sobretudo um ato de coragem que só é possível para quem viaja de mala de mão. Também, é uma aventura que não acontece sem um respeito pelo outro, que raramente conseguimos oferecer.

- Qual é seu grande sonho que gostaria de um dia realizar?
- Calligaris: Não tenho sonhos que não esteja tentando realizar já. Há mais algumas histórias que quero contar e com as quais gostaria de contribuir ao “livro interior” de meus contemporâneos. Claro, tenho um sonho que depende não de mim, mas de meu filho: quero ter netos.

"O diálogo que leva ao amor dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de se apresentar por nossas falhas, feridas e perdas."
"É melhor falar logo das coisas mais difíceis de serem ditas. Pois, quando são silenciadas, elas acabam se vingando, sempre."

"Não conseguimos realizar nossos desejos porque, frequentemente, não estamos dispostos a pagar o preço que esses desejos exigem de nós."
 
*Contardo Calligaris (1948, Milão, Itália) Psicanalista, Doutor em Psicologia Clínica e Ensaísta.
 Radicado no Brasil, vive entre São Paulo e Nova York, onde já foi professor na Universidade de Berkeley e na New School. Autor de diversos livros, entre eles Crônicas do individualismo cotidiano (1996), A adolescência (2000) e Cartas a Um Jovem Terapeuta (2004);  
Também assina uma coluna no jornal Folha de S P, com a qual  vem desempenhando papel como formador de opinião a partir de reflexões sobre cinema, choque cultural, relações amorosas, política, violência e exclusão social.
(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

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