domingo, 20 de maio de 2012

Ψ A Mulher Não Existe?

“Dieu est la femme rendue tout.”
“Deus é a Mulher tornada toda.”
 ( LACAN, Seminário XXII)


Lacan se apropria do conto de Edgar Allan Poe "A carta roubada" para falar da invisibilidade da mulher perante o homem.
Trata-se de uma carta  que tem vários destinatários e nenhum; seu conteúdo nunca pode ser apropriado inteiramente, mantendo-se apenas como uma potencialidade de poder para quem a possui.
Metáfora certeira para a palavra que sempre cerca seu sentido, mas nunca o alcança.  
Por mais visível e audível que as palavras sejam, elas nunca podem ser decifradas totalmente – seu significado sempre desliza e escapa – da mesma maneira que a carta roubada, no conto de Poe, desliza continuadamente por vários possuidores. Mesmo estando perfeitamente visível e disponível em cima da lareira, nunca é vista pelos que a querem encontrar.
O que fará Lacan formular a frase paradoxal e polêmica de que a mulher não existe.
Como dizer isso se o homem faz sexo com uma mulher desde sempre? Lacan dirá que os homens, na verdade, fazem sexo com todas as mulheres e não com uma em especial, repetindo no seu inconsciente o tempo da horda primitiva, em que todas as mulheres pertenciam a um único Pai mítico, dono do falo. A mulher como individualidade lhe escapa sempre.
Lacan diz que a mulher como todo objeto de desejo, pertence à esfera desse "objeto a", parcial, metonímico por definição, mas que consegue ancorar a pulsão do desejo por algum tempo. A mulher real e individual presente no ato sexual representa, portanto, apenas uma possibilidade nessa série infinita que alucina o masculino.
Na verdade, o feminino sempre despertou curiosidade e foi objeto de estudo na Psicanálise desde Freud.
 Em 1905 - Em "O Caso Dora", Freud especula de que forma a mulher escolhe seu objeto amoroso;
 1919 - Freud investiga a homossexualidade feminina e refere que o objeto da menina também é a mãe.
 1923 – Freud em “Organização Genital Infantil”, propõe a noção de Falo. 
1925 – Fala das consequências psíquicas das diferenças anatômicas. Segundo Freud, se nasce macho ou fêmea e o tornar-se masculino ou feminino acontece pelas identificações. Todo sexo é basicamente masculino e fálico e as diferenças acontecem pela Resolução do Complexo de Édipo.
1932 – Feminilidade:  A construção desta teoria a partir da relação da menina com a mãe que seria anterior à relação com o pai.
LACAN sugere que o amor da mulher seria *Erotomaníaco: as mulheres não amam desejam ser amadas.
 ( *Tipo Erotomaníaco: aplica-se quando o tema central do delírio diz respeito a ser amado por outra pessoa. O delírio envolve um amor romântico e união espiritual idealizada, ao invés de atração sexual - DSM  - Transtorno Delirante).
Já o amor masculino é *Fetichista. ( *Fetichismo é a tendência erótica para coisas inanimadas que, direta ou indiretamente estão em contato com o corpo humano ou para determinadas partes do corpo da pessoa amada).
O que deseja a MULHER? Sua função é ser o FALO, o ser que completa o Homem. Ela serve para o masculino negar sua castração. Em FREUD, a Mulher é um Homem castrado e busca na maternidade a completude fálica:  Filho - Pênis - Falo. 
Já a partir dos anos 70, a PSICOPATOLOGIA muda do Desejo para o Gozo.
Em LACAN então há uma singularidade do Gozo Feminino -  um gozo exclusivo da mulher.
 A Teoria dos Gozos orienta a  sua teoria. Ele fala sobre a condição erótica da mulher para quem todo parceiro sexual representa sempre o amante castrado, ou o homem morto.
 A Mulher para amar um Homem  precisa castrá-lo.
LACAN fala da Mulher  como Objeto, em *TELEVISION -  a Mulher que se satisfaz em se oferecer como objeto de fantasia masculina e como SINTHOME.
 (* TELEVISION: “Todas as mulheres são loucas, mas não loucas de todo, porque Elas são não - todas”). 
 “A MULHER NÃO EXISTE”, trata-se da leitura de uma lógica quântica (que lida com o particular e com o universal). Precisa-se entender a definição de Cultura entre FREUD e LACAN. 
Em FREUD, a Teoria  do Recalque  leva à Sublimação do Desejo, da Pulsão Sexual, a cultura como consequência do recalque leva o sujeito a buscar atos socialmente aceitos.
Segundo J. MILLER, LACAN faz da cultura uma espécie de marxismo modificado, o que regula os mecanismos sociais é a mais-valia, o mais-de-gozar, (gozo fálico - substituição do significante). A sociedade moderna é condicionada pelo gozo, mais-de-gozar do consumismo. O gozo é sentir-se completo com o objeto, a condição do gozo, estaria baseada nas trocas objetais. Assim LACAN fala da mulher como objeto de troca. O discurso capitalista é comprar para gozar.

 Agora uma tentativa de leitura para a * fórmula quântica da sexuação:

 



































Existe um x para qual a função de fi (falo simbólico) é negada. Ou seja, existe um homem para quem a lei fálica, a lei da castração, da interdição, não está inscrita.
 Esse é o homem que Freud tratou no texto Totem e Tabu, correspondente ao pai da horda primitiva, o único homem que gozava de todas as mulheres do bando, ficando aos demais homens a interdição às mulheres.
 Para que os demais pudessem ter acesso às mulheres deveriam matar seu algoz,  entretanto, a liberdade em excesso acaba sendo opressiva, erguem em seu lugar um totem que lhes servirá como indicador da exogamia como regra.
 Esse "assassinato originário" é, para Freud, o fundamento da história e também o da religião.
Já o enunciado: para todo x a função fi (falo) de x é verdadeira, trocando em miúdos, para todo sujeito a castração/ interdição é verdadeira.
Todo homem está submetido a impossibilidade de cometer o incesto.
As fórmulas até aqui anunciadas são  complementeres, sendo que uma convoca a outra o que caracteriza uma sincronicidade, se todos são iguais só o são perante um totem, o não castrado, esse último elemento pode ser substituído por algo que determina o interdito, na religião, por exemplo, Deus.
Lacan usou o termo "homenosum", quer dizer, "ao-menos-um",  ao matar o "homenosum", um totem é erguido em seu lugar, ao derrubar um totem, outro surge em seu lugar.

Agora o campo oposto, a mulher:
DO LADO DIREITO, TEM A INSCRIÇÃO DA PARTE MULHER DOS SERES FALANTES. Enquanto do lado do homem temos o campo do Um, do lado da mulher situa-se o Outro.
Esse outro é representado por Lacan com a letra A e uma barra que a corta.  Se é barrado, é não-todo.
 Primeiramente a fórmula, lê-se não existe um x que não seja função de falo de x, não existe nenhuma mulher que não esteja inscrita pela castração, ao falo.
 Em outras palavras, todas as mulheres, sem exceção, estão submetidas à Lei, pois no conjunto das mulheres falta aquela que seria o representante do ao-menos-um do homem, falta Uma que esteja de fora e as organize.
 É desta noção que surge mais um dos aforismos de Lacan onde diz que "as mulheres não fazem classe" ou "a mulher é fora da lei".
 Quer dizer que,  para não todo x existe a função do falo de x, como não existe uma mãe totêmica fora da castração, esta falta pressupõe também que não existe um sexo que não tenha como referência o falo, a mulher está, portanto, não-toda assujeitada a Lei.
 O falo falha em dizê-la toda, só o falo não indica exatamente o que ela é. Isto quer dizer que, apesar de toda mulher estar submetida ao falo, a mulher não está toda-inteira na função fálica.
 LACAN propõe a *fórmula quântica da sexuação para focalizar o campo do gozo, o gozo para além da linguagem, para além do falo, denominado O OUTRO GOZO.
E sublinha o impossível do universal da mulher.
 Ao teorizar "A MULHER NÃO EXISTE",  ele postula que a questão do feminino não está na anatomia, mas na posição fálica.  Para a mulher há um mais além do falo e nem tudo está relacionado com o gozo fálico,  pois não há um significante que a define, ela não está toda referenciada ao falo porque está no ser ela,  se apresenta como um 'parecer' ser o falo.
Lacan vai qualificar o amor como uma tentativa de suprir a impossibilidade da relação sexual.
Dessa forma, ele nasce sob o signo do impossível, prometendo que o sentido sexual vai parar de não se inscrever na contingência do encontro e vai se tornar necessário. Mas não é o que acontece. O AMOR NÃO SUSTENTA SUAS PROMESSAS, logo os amantes descobrem que o prazer do amor não dura mais que alguns instantes e que pesa sobre eles ao risco de ficarem mortalmente feridos ao invés de fascinados, ainda assim UM HOMEM CRÊ DESEJAR e uma MULHER CRÊ AMAR.

Referência Bibliográfica:
GERBASE, Jairo. A hipótese de Lacan sobre A mulher. Disponível em http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/conferencia_Gerbase_revisao_JG.pdf,
RODRIGUES, Pedro L. de L. Fórmulas da sexuação. Disponível em veredas.traco-freudiano.org/veredas-8/txt-pedro.doc,
 LACAN, Jacques. O PARADOXO DO GOZO, in: O SEMINÁRIO VII: A Ética da Psicanálise (1959/ 1960). R.J. Jorge Zahar, 1997.
 LACAN, Jacques. SEMINÁRIO VII: Satisfação da Pulsão, Gozo Mítico. Gozo como formas de ilusão de completude – pelo significante e pelo objeto. Semblante de satisfação da Pulsão pelo Significante.
 LEITE S. Márcio Peter – Ensino Continuado/ 1997 - USP/ A Feminilidade.
 MILLER, J. A Lógica da Vida Amorosa.
LACAN, Jacques. O Seminário XX, Mais, Ainda, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.
LACAN, J. Le Séminaire: Encore. Paris: Seuil, 1975. Livre 20.
______. Le Séminaire: Le transfert. Paris: Seuil, 1991. LivreVIII
______. L’étourdit. In: ______. Scilicet. Paris: Seuil, 1973. n. 04.
( Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom texto