domingo, 6 de março de 2011

sobre o silêncio


- A raiz em latim para silêncio, 'silere', dizer nada, é relacionada a 'sinere', permitir estar em um lugar. Somos arrancados daqueles lugares onde a linguagem falha tantas vezes...- O silêncio costuma ser, um meio de isolamento.- Atualmente é a ausência do silêncio que trabalha para tornar o mundo atual vazio e isolado.
- As reservas de silêncio tem sido invadidas e esgotadas. A máquina marcha globalmente adiante e o silêncio é o lugar minguante onde o barulho ainda não penetrou.
- A civilização é uma conspiração de barulhos, desenvolvida para encobrir os silêncios desconfortáveis.
- Wittgenstein refere que o presente não-silencioso é um tempo de evaporação da atenção, erosão do pensamento critico, e uma capacidade diminuída de sentir profundamente as experiências. o Silêncio, assim como o escuro, é difícil de obter; mas a mente e o espírito precisam de sua substância.
- Certamente existem silêncios forçados de medo, angústia, conformismo, cumplicidade, que são muitas vezes estados inter-relacionados. E a natureza tem sido progressivamente silenciada, como documentou Rachel Carson em seu profético livro Silent Spring (Primavera Silenciosa)/
('Silent Spring' tornou-se um marco da revolução ambientalista e do despertar da consciência ecológica.)
- "Tem existido um silenciamento da natureza, de nossa própria natureza" conclui Heidegger, e precisamos deixar este silêncio, como silêncio, falar... Isto ainda se dá muitas vezes, apesar de tudo, falando mais alto do que palavras.
- O grande silêncio do universo gera uma reverência silenciosa, sobre o que Roman Lucretius referiu no seculo 1 ac: "Primeiro de tudo contemple a cor pura e limpa do céu, e tudo o que contém: as estrelas errantes por todos os lugares, a lua, o sol com sua luz e incomparável brilho".
- Descendo a Terra, a natureza é preenchida com silêncios. A alternação das estações são um ritmo de silêncio; a noite o silêncio desce ao planeta, apesar de muito pouco atualmente. Os elementos da natureza assemelham-se a grandes reservas de silêncio.
- A descrição de Max Picard é um poema: "A floresta é como um grande reservatório de silêncio do qual o silêncio escoa num fino fluir, num rio calmo preenchendo o ar com seu brilho. A montanha, o lago, os campos, o céu - todos eles parecem esperar por um indício de esvaziar seus silêncios tornando-os em coisas ruidosas nas cidades do homem".
- O Zen ensina que "o silêncio nunca varia..." Mas nosso foco deve ser cultivado caso queiramos nos afastar do vazio universalizante da recente modernidade.- O silêncio é primário, invocando a presença para si mesmo, portanto é uma conexão para o reino das origens.Na tecnoesfera industrial, a Máquina tem por pouco o sucesso em banir a quietude. Uma história natural do silêncio é necessária para estas espécies ameaçadas.
- A modernidade atordoa. Para Picard, nada tem mudado o caráter humano tanto quanto a perda do silêncio.
- Thoreau chamou o silêncio de "nosso asilo inviolável", um refúgio indispensável que deve ser defendido.- O silêncio é necessário contra o som. O silêncio é temido pela manipulativa cultura de massas, da qual se mantém separada, uma forma de resistência precisamente porque o silêncio não pertence a este mundo.
- Muitas coisas podem ainda ser escutadas contra a pano de fundo do silêncio; desta forma um caminho é aberto, um caminho para a autonomia e imaginação.
- "Os sentidos se abrem em silêncio", escreveu Jean-luc Nancy. É para ser conduzido e experienciado corporalmente, inseparavelmente do mundo, no núcleo silencioso do eu.
- O silêncio pode realçar nossa incorporação, um passo qualitativo para longe da característica oficial das máquinas que trabalham tão resolutadamente para nos desincorporar.
- O Silêncio pode ser um grande auxílio em desbloquear a nós mesmos da prevalente doença da informação à solta na sociedade.
- O silêncio nos oferece o local para estarmos presentes com nós mesmos, para virmos a entender o que somos.
- Raoul Mortley pode enxergar uma "crescente insatisfação com o uso das palavras", "um enorme crescimento na linguagem do silêncio" na Grécia antiga.
- Tempos depois, Pascal ficou aterrorizado pelo "silêncio do universo", e Hegel claramente sentiu que o que não pode ser falado era simplesmente não verdadeiro, que o silêncio era uma deficiência a ser superada.
- Schopenhauer e Nietzsche enfatizaram o previamente necessário valor da solidão, divergindo do anti-silêncio de Hegel...
- Kafka sentiu que o silêncio poderia ser um modo mais irresistível do que cantar.
- "A fenomenologia começa no silêncio", de acordo com Herbert Spiegelberg. Colocar o fenômeno ou objetos de algum modo primeiro, antes das construções de idéias, foi sua noção fundamental.- Ou como Heidegger, existe um pensamento profundo e mais rigoroso do que o conceitual, e parte disso envolve um a ligação primordial entre o silêncio e o entendimento.
- Wittgenstein entendeu que algo permeia tudo que é dizível, algo que é em si mesmo indizível. Este é o sentido de sua bem conhecida última linha do Tractatus Logico-Philosophicus: "Daquilo que ninguém pode falar, deve se permanecer em silêncio".
- O silêncio também pode ser uma dimensão de medo, angústia, - mesmo de loucura e suicídio.
- De fato, é um tanto difícil de reificar o silêncio, frizá-lo em qualquer coisa não viva. Às vezes a realidade que interrogamos é muda;
- Um indício da profundidade de estar presente em silêncio? maravilhosa deve ser a questão que melhor nos dá resposta, silenciosa e profundamente.
- "O silêncio é tão correto" disse Mark Rothko, uma linha que tem me intrigado por anos.
- Também muitas vezes rompemos o silêncio apenas para vocalizar algum detalhe que se escapa num senso abrangente do que nós fazemos parte, e quantas maneiras existem para destruí-lo.
- No inverno de 1933, na Antartica, Richard Byrd anotou: "vou para minha caminhada diária as 4 pm... eu paro para ouvir o silêncio... o dia está indo, a noite está nascendo - mas com grande paz. Aqui estão imponderáveis processos e forças do cosmos, harmônico e inaudível"
- Annie Dillard também fornece uma linda resposta ao ruído: " A certo ponto você diz as árvores, ao mar, as montanhas, ao mundo, agora estou pronta. Agora irei parar e estar inteiramente atenta. Você esvazia a si mesmo e espera, ouvindo"- Não é apenas o mundo natural que é acessível via silêncio. Cioran indicou os segredos nos silêncio das coisas, afirmando que "todos os objetos possuem uma linguagem que só podemos decifrar em total silêncio"- David Michael Levin em The Body's Recollection of Being nos aconselha a "aprender a pensar através do corpo... deveríamos ouvir em silêncio para nossa experiência de sentir o corpo".
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E na esfera interpessoal, o silêncio é resultado de empatia e de ser entendido, sem palavras muito mais profundamente do que de outra maneira.- Os nativos americanos parecem sempre ter colocado um lugar de grande valor para o silêncio e experiência direta, e na cultura indígena em geral o silêncio denota respeito e auto-recolhimento. Isto está no centro do rito de passagem, o período solitário de jejum, abstinência e proximidade com a Terra para a descoberta do caminho e do propósito de vida do individuo.
- O Inuit Norman Hallendy aponta mais insights ao estado de silencioso consciente chamado "inuinaqtuk" do que em sonhos.
- A insaciável espera que Holderlin expressou tão poderosamente relacionada não somente a um silêncio original e pleno, mas também a sua crescente compreensão de que a linguagem deve sempre admitir sua origem na perda.- Em Krapp's Last Tape, a idéia de que toda linguagem é um excesso de linguagem é fortemente sugerida.
- Nossos seres corporificados, tão sensível a esta Terra, entendem bem os limites da linguagem e certamente o fracasso do projeto da representação. Neste estado é fácil entender a exaustão da linguagem, e o fato de que estamos sempre na distância da palavra frente a imediação.
- Kafka comentou sobre isto em "In the Penal Colony", onde a máquina de impressão dobrou como um instrumento de tortura. Para Thoreau, "como uma verdadeira sociedade sempre tenta alcançar a solitude, a mais excelente fala finalmente cai em silêncio"
- Por outro lado, a sociedade de massas anula as chances de autonomia, assim como priva a possibilidade de silêncio.
- Holderlin imaginou que a linguagem nos empurra para o tempo, mas é o silêncio que nos manteria de volta contra o tempo. O tempo avança em silêncio; não surge para fluir, mas para permanecer. Várias temporalidades parecem perder suas barreiras, passado, presente e futuro menos divididos.- Mas o silêncio é uma estrutura variável, não uma uniformidade ou abstração. Sua qualidade nunca está a parte de seu contexto, pois está no campo da não mediação. Diferente do tempo, o que tem sido por tanto tempo uma média da alienação, o silêncio não pode ser especializado, ou convertido em instrumento de permuta. Isto mostra o porque que o silêncio pode ser um refúgio da perpetualidade do tempo.- Gurnemanz, próximo de abrir o Parfisal de Wagner, canta "aqui começa o espaço", o Silêncio evita esta dinâmica primária de dominação.- Então aqui estamos, com a máquina nos subjugando em seus vários ataques contra o silêncio e e se introduzindo profundamente.- Numa Zona de Ruído globalizante e homogeneizante, nós talvez possamos vir a ser harmonizados.- Pico Ayer se refere ao "meu crescente senso de um mundo que canta o mesmo som em milhares de tons todos de uma vez".- Precisamos de uma recusa do ruído da padronização, seu modo de "comunicação" de superfície barulho-informativa e perturbadora. Um Não ao insensível, penetravelmente colonizante não-silêncio, empurrando para cada não-lugar.
- O silêncio é um freio a tudo isto, e uma zona para reconstituirmos a nós mesmos.
- O silêncio colhe na natureza, e pode nos ajudar a colher a nós mesmos para as batalhas que darão fim a humilhação.
- O silêncio é uma importante ferramenta para a resistência, a nota inaudível que deve preceder a insurreição. Isto foi, por exemplo, o que os donos de escravos mais temiam.- Em várias tradições espirituais asiáticas, o muni, vogal para silêncio, é a pessoa de grande capacidade e independência - aquele que não precisa de mestre para a iluminação.
- As paixões mais profundas são nutridas em modos silenciosos e intensos.
- De que outra forma o respeito pela morte é mais significamente expressado, o intenso amor melhor transmitido, nossos pensamentos mais profundos e visões experienciadas, e o mundo não destruído é mais diretamente saboreado?
- Neste mundo angustiado e ferido, de acordo com Max Horkheimer, nos "tornaríamos mais inocentes" devido a angústia. E possivelmente mais abertos ao silêncio - como conforto, aliado, e fortaleza.
(John Zerzan (1943) - anarquista norte-americano que se destacou na segunda metade da década de 1980, Filósofo e escritor, é considerado um dos expoentes do anarcoprimitivismo.)

Um comentário:

Amanda Lemos disse...

Muito interessante o blog !
Deixo o meu aqui caso queira dar uma olhada, seguir...;

www.bolgdoano.blogspot.com

Muito Obrigada, desde já !