segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Isabel Allende - Afrodite, contos, receitas e outros...







"Os cinquenta anos são como a última hora da tarde, quando o sol já se pôs e tendemos naturalmenteà reflexão. No meu caso, porém, o crepúsculo me induz a pecar e, talvez por isso, no meu cinquentenário reflito sobre minha relação com a comida e o erotismo, as fraquezas da carne que mais me tentam, embora, elas não tenham sido as que mais pratiquei."

(...) arrependo-me das dietas, dos pratos deliciosos rejeitados por vaidade, tanto como lamento as oportunidades de amar para me dedicar as tarefas pendentes.

(...) o cheiro penetrante do iodo não me traz imagens de cortes ou cirurgias, mas de ouriços-do-mar, essas estranhas criaturas marítimas inevitavelmente relacionadas à minha iniciação nos mistérios dos sentidos.

(...) quando vou ao Chile, procuro ir ao litoral para experimentar de novo ouriços-do-mar e toda vez me sinto tomada de horror e fascínio.(...) não consigo separar o erotismo da comida e não vejo razão para fazê-lo (ao contrário, pretendo continuar desfrutando de ambos enquanto tiver força e bom humor).

(...) Robert Shekter, ilustrador do meu livro, foi piloto na segunda guerra mundial, seus piores pesadelos não são com os bombardeios, mas com um pato distraído que acabou derrubando com sua espingarda de caça. Ao se aproximar viu que ainda se debatia, teve que lhe torcer o pescoço para acabar com sua agonia. Virou vegetariano. Mas ao cair o pato amassou uma alface, também não come esse vegetal. É muito difícil preparar um jantar erótico para um homem com essas limitações. Robert jamais contribuiria para o meu livro se o projeto inclísse aves torturadas... bem como barbatanas de tubarão, testículos de mandril e outos ingredientes que não aparecem aqui por que não foi fácil encontrar nos supermercados das redondezas.

(...) aqui nos referimos sómente à arte sensual da comida e seus efeitos sobre a realização amorosa. Brócolis está descartado. Falamos de ostras, mel, amêndoas moídas e outras especiarias proibidas...

(...) a gula é um dos caminhos diretos para a luxúria, e se avançarmos mais um pouco, para a perdição da alma. Por isso luteranos, calvinistas e outros aspirantes à perfeição cristã comem tão mal. Os católicos, em compensação, que nascem resignados ao pecado original e às fraquezas humanas, e que são purificados pelo sacramento da confissão, prontos para tornar a pecar, são mais flexíveis com relação á boa mesa... Ainda bem que nasci entre os segundos e posso devorar todas as guloseimas que desejar sem pensar no inferno, só nos meus quadris... "

(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

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